25Wageningen University confirma impactos positivos da certificação florestal FSC®
A certificação FSC produz impactos ambientais positivos, é o que conclui o mais recente trabalho de Erica Di Girolami e Bas Arts da Universidade de Wageningen. Os benefícios são notórios ao nível da conservação da biodiversidade, contribuindo para preservar espécies animais, incluindo algumas listadas como espécies ameaçadas e vulneráveis ​​pela IUCN.
Estes investigadores analisaram 31 artigos que estudam os impactos ambientais do FSC em três tipos distintos de floresta: boreal, temperado e tropical. Os impactos ambientais na fauna, flora e serviços dos ecossistemas foram examinados, concluindo que as práticas de exploração em áreas certificadas pelo FSC desempenharam um papel importante na preservação da biodiversidade.
Os impactos na flora e nos serviços dos ecossistemas foram também considerados positivos, embora menos evidentes do que para a fauna. No entanto,considera-se relevante o facto de, por exemplo, na Indonésia, áreas certificadas pelo FSC apresentarem uma redução na poluição atmosférica de 31% em média entre 2000 e 2008.
Alguns estudos mostraram ainda que o FSC conseguiu reduzir a desflorestação em florestas tropicais. Este trabalho abrange também estudos efectuados em Portugal, demonstrando que a certificação FSC em montado fomenta a regeneração de sobreiros e contribuí para preservar a diversidade de plantas em áreas de conservação e em linhas de água.
Saiba mais: https://ic.fsc.org/en/news-updates/id/2252



CERTIFICAÇÃO FLORESTAL: UMA FERRAMENTA PARA A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E DOS SERVIÇOS DOS ECOSSISTEMAS FLORESTAIS
Miguel Nuno Bugalho, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa

  • Certificação da gestão florestal

Os ecossistemas florestais, desde as florestas às plantações, geram bens e serviços essenciais à humanidade. Para que o fluxo destes bens e serviços se mantenha e possa ser usufruído pelas gerações vindouras, é necessário que estes ecossistemas sejam geridos de forma sustentável.
A certificação da gestão florestal, é um mecanismo voluntário segundo o qual proprietários e gestores florestais se comprometem com práticas de gestão que respeitam critérios ambientais e socio-económicos. O cumprimento destas práticas é auditado de forma independente por uma terceira parte, a entidade certificadora. Os produtos lenhosos (ex. fibra, madeira) e não lenhosos (ex. cortiça) que sejam gerados em áreas sob gestão certificada recebem um selo que os identifica como produtos gerados de forma responsável, conferindo-lhes valor acrescentado.
A certificação Forest Stewarship Council ® (FSC®) é um dos sistemas de certificação florestal com maior implementação no mundo (195 milhões de ha de área mundial certificada1) e em Portugal (421 mil ha de área nacional certificada2).
Este texto foca-se no potencial da certificação FSC como ferramenta para a conservação da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas florestais.

  • Princípios ambientais da certificação FSC

A certificação FSC, é constituída por 10 princípios e 57 critérios de âmbito ambiental, económico e social. O Princípio #6: “Impacte Ambiental” e o Princípio #9: “Áreas de Alto Valor de Conservação” cobrem os valores ambientais da gestão florestal.
Como contribuem estes princípios para a conservação da biodiversidade e dos serviços dos ecossistemas?

Princípio#6: Valores e impactos ambientais

O Princípio #6 é operacionalizado através do estabelecimento de zonas de conservação nas propriedades ou unidades de gestão florestal. Nestas zonas, normalmente correspondentes a 10% da área total da propriedade ou da unidade de gestão, o uso dos recursos florestais é permitido, mas a gestão é menos interventiva. Por exemplo, em áreas de montado certificado, o pastoreio pode ser substancialmente reduzido, assim como a frequência da limpeza de matos, mas a extracção de cortiça mantém-se (Figura 1).
Actualmente existe evidência de que a abundância de regeneração de sobreiro, assim como a diversidade e grau de coberto de matos é maior nas zonas de conservação, no montado certificado3. Também no caso da vegetação ribeirinha, dados recentes sugerem que a certificação florestal está a favorecer a condição ecológica das linhas de água em montado4.
O maior ou menor efeito das zonas de conservação, no sucesso da regeneração e diversidade do sub-coberto, está, no entanto, dependente das condições locais. Por exemplo, em áreas de montado, o sub-coberto arbustivo e a pastagem podem ter efeitos facilitadores ou, ao invés, competidores com a regeneração arbórea, dependendo, em parte, do tipo de coberto arbustivo e das condições climáticas dominantes 5,6.
Para além das interacções planta-planta, poderá também ocorrer uma miríade de interacções planta-animal (ex. invertebrados consumidores), com efeitos no sucesso da regeneração, que importa avaliar7. A diminuição da frequência de intervenções, nomeadamente a exclusão total do pastoreio, poderá ter outras implicações para os serviços do ecossistema (isto é, os benefícios para as pessoas que são gerados pelos ecossistemas8) como sejam a prevenção de incêndios florestais ou o armazenamento de carbono a longo-prazo9, embora o estabelecimento de zonas de exclusão favoreça a diversidade de plantas e fauna à escala da propriedade10.

Figura 1 - No montado de sobreiro, que ocupa mais de 700 mil ha em Portugal, aproximadamente 100 mil ha encontram-se actualmente sob gestão florestal certificada. As zonas de conservação em montado certificado podem favorecer a regeneração do montado e a diversidade de matos, mas a direcção destes efeitos depende do contexto local.


Princípio #9: Áreas de alto valor de conservação

O Princípio #9 refere-se a valores de conservação excepcionais: Áreas de Alto Valor de Conservação, que sejam identificados na propriedade ou unidade de gestão florestal. Este princípio identifica seis atributos de conservação, relacionados com valores de biodiversidade (atributos 1 a 3) e com os serviços do ecossistema (atributos 4 a 6).
Os atributos relativos à biodiversidade cobrem, por exemplo, a presença de espécies com estatuto de conservação (ex. espécies endémicas ou ameaçadas), ecossistemas ou tipos de habitat raros ou ameaçados (ex. habitat Natura 2000 classificados como prioritários) ou ainda atributos referentes à extensão e continuidade dos ecossistemas à escala da paisagem (ex. mancha contínua de montado de sobreiro a Sul do Tejo).
Os atributos referentes aos serviços do ecossistema incluem serviços de regulação nomeadamente, a importância da unidade de gestão para a mitigação da severidade de incêndios, do risco de erosão do solo e da protecção de bacias hidrográficas (atributo 4) ou ainda os serviços culturais (atributo 6).
Uma das vantagens do conceito de Áreas de Alto Valor de Conservação é a sistematização de atributos de conservação. Por exemplo, a World Wide Fund for Nature (WWF), uma organização global de ambiente a actuar em Portugal, em parceria com a Universidade de Lisboa (Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves”, Instituto Superior de Agronomia), utilizou este conceito para reunir numa plataforma digital de acesso livre, informação pública disponível sobre valores de biodiversidade e serviços de ecossistema em Portugal. A plataforma, denominada HABEaS (acrónimo de Hotspot Areas for Biodiversity and Ecosystem Services, disponível em: [url]http://www.habeas-med.org[/url]) permite identificar os valores de conservação existentes em qualquer área geográfica, e identificar aquelas áreas em que os atributos de biodiversidade coincidem espacialmente com os atributos de serviços do ecossistema. Esta plataforma esteve também na base de um projecto de Pagamento de Serviços de Ecossistema desenvolvido pela WWF para o montado de sobreiro em Portugal11.

  • Certificação florestal e pagamentos dos serviços do ecossistema

Ao nível ambiental, além da promoção de zonas de conservação, de utilização menos intensiva (Princípio #6), e da sistematização da inventariação de altos valores de conservação (Princípio #9), quer de biodiversidade quer serviços do ecossistema, a certificação da gestão florestal tem sido usada como ferramenta independente de monitorização para Pagamentos de Serviços do Ecossistema, um mecanismo de incentivo à gestão e conservação.
Os ecossistemas florestais bem geridos geram diferentes tipos de serviços que vão desde os serviços de aprovisionamento (ex. fibra, madeira, cortiça) directamente transacionáveis nos mercados, até serviços de regulação (ex. sequestro e armazenamento carbono, prevenção de incêndios) ou serviços culturais (ex. turismo e recreio, bem-estar espiritual), não directamente transacionáveis nos mercados.
O Pagamento de Serviços do Ecossistema é um mecanismo que consiste na compensação financeira, ou outra (ex. capacitação técnica), dos gestores e proprietários que estejam a gerir adequadamente os ecossistemas e, desse modo, a contribuir para a sua conservação, simultaneamente gerando serviços de interesse local (ex. regulação de leitos de cheia), regional (ex. prevenção de incêndios) ou global (ex. sequestro e armazenamento de carbono)12, 13 (Figura 2).
Uma das componentes mais onerosas de um projecto de pagamento de serviços do ecossistema, é a monitorização e a validação das práticas de gestão. A certificação da gestão florestal pode desempenhar esse papel de forma independente. É este o caso do projecto GreenHeart of Cork da WWF em Portugal11.

Figura 2 Em mecanismos de pagamento de serviços do ecossistema, as boas práticas de gestão geram serviços que são remunerados pelos utilizadores desses serviços. A certificação florestal pode desempenhar um importante papel de monitorização das boas práticas de gestão nestes casos (SE: serviços do ecossistema)


O projecto Green Heart of Cork da WWF em Portugal

Este projecto, uma colaboração entre a Associação de Produtores Florestais de Coruche e a WWF em Portugal, visa compensar os proprietários e gestores do montado que se comprometam com boas práticas de gestão florestal.
Caso as propriedades se encontrem em zonas importantes para a conservação da biodiversidade (ex. concentração de espécies de vertebrados endémicos ou ameaçados, habitat Natura2000 prioritários) ou serviços do ecossistema (ex. zonas importantes de armazenamento de carbono florestal, zonas sensíveis para a conservação da água) e os gestores florestais destas áreas se comprometam com a certificação da gestão florestal, então podem receber um pagamento anual, que actua como um incentivo à certificação e à boa gestão nessas áreas. Este pagamento (que recentemente atingiu os 15 Euros/ha/ano) é efectivado via mercado voluntário, sendo feito por empresas cuja actividade depende de determinados serviços do ecossistema (ex. empresa de engarrafamento, dependente da qualidade e quantidade de água beneficiadas por uma boa gestão florestal) e mediado pela WWF em Portugal. Neste caso, a certificação da gestão florestal, funciona como um mecanismo independente de monitorização e validação da gestão florestal nestas áreas.

Perspectivas e investigação futura

Embora seja necessária mais investigação sobre o tema, existe já evidência clara de que a certificação favorece a boa gestão e conservação dos ecossistemas florestais, o pilar ambiental da gestão florestal. A certificação florestal tem também desempenhado um papel importante nos pilares social e económico da gestão florestal. Mas poderá a certificação florestal contribuir para responder aos desafios socio-económicos do ordenamento florestal em Portugal? Por exemplo, a Norte do Tejo onde a propriedade é fragmentada, conseguirá a certificação florestal servir de alavanca agregadora, conferindo massa crítica e dimensão à propriedade, para que seja efectiva uma gestão responsável à escala da paisagem?
É essencial reflectir, diagnosticar e efectivar o uso da certificação em diferentes contextos, conferindo-lhe os devidos incentivos (ex. articulação, por exemplo, com a figura das Zonas de Intervenção Florestal) pensando a certificação como possível mecanismo agregador de propriedade e de validação da gestão responsável, incluindo mecanismos de pagamentos de serviços do ecossistema.
Para além do pilar ambiental é necessário que a investigação se foque também nos pilares social e económico da gestão e certificação florestal. Deste modo poderão ser encontradas soluções inovadoras para o ordenamento e gestão florestal do território e resolução de sintomas (ex incêndios rurais) que lhe estão a jusante.

Referências bibliográficas
1- [url]https://www.fsc.org/[/url] (informação acedida em25/02/2019)
2- [url]https://pt.fsc.org/pt-pt[/url] (informação acedida em25/02/2019)
3- Dias FS, MillerDL, Marques TA, Marcelino J, Caldeira MC, Cerdeira JO, Bugalho MN (2016). Conservation zones promote oak regeneration and shrub diversity in certified Mediterranean oak woodlands. Biological Conservation 195: 226-234 (DOI: 10.1016/j.biocon.2016.01.009)
4- Dias F, Bugalho MN,Rodríguez-González P, Albuquerque A, Cerdeira, JO (2014). Effects of forest certification on the ecological condition of Mediterranean streams. Journal of Applied Ecology 52:190-198 (DOI: 10.1111/1365-2664.12358)
5- Caldeira MC, Ibáñez I,Nogueira C, Bugalho MN, Lecomte X, Moreira A, Pereira JS (2014). Direct and indirect effects of tree canopy facilitation in the recruitment of Mediterranean oaks. Journal of Applied Ecology 51: 349-358 (DOI: 10.1111/1365-2664.12189)
6- Caldeira MC, Lecomte X, David TS, Pinto JG, BugalhoMN, Werner C (2015).Synergy of extreme drought and shrub invasion reduce ecosystem functioning and resilience in water-limited climates. Scientific Reports 5: 15110 (DOI: 10.1038/srep15110)
7- Vaz PG, Bugalho MN, Fedriani JM, Branco M, Lecomte X, Nogueira C,Caldeira MC, (2019) Unravelling associations between tree-seedling performance, herbivory, competition, and facilitation in high nature value farmlands. Journal ofEnvironmental Management 232:1066–1074 (DOI:10.1016/j.jenvman.2018.11.082)
8- Millenium Ecosystem Assessment. (2005). Ecosystems and human well-being: Desertification synthesis. Washington, DC: World Resources Institute ([url]https://www.millenniumassessment.org/documents/document.356.aspx.pdf[/url])
9- Lecomte X, Caldeira MC,Catry FX, Fernandes PM, Jackson RB, Bugalho MN (2018) Ungulates mediate trade offs in C storage and wildfire hazard in Mediterranean oak woodlands. Journal of Applied Ecology (DOI: [url]https://doi.org/10.1111/1365-2664.13310[/url])
10- Bugalho MN, Lecomte X, Gonçalves M, Caldeira MC, Branco M (2011) Establishing grazing and grazing‐excluded patches increases plant and invertebrate diversity in a Mediterranean oak woodland. Forest Ecologyand Management 261:2133-2139 (DOI: 10.1016/j.foreco.2011.03.009)
11- Bugalho MN, Silva LN (2014). Promoting sustainable management of cork oak landscapes through payments for ecosystem services: the WWF Green Heart of Cork project. Unasylva242: 29-33 ([url]http://www.fao.org/3/a-i3837e.pdf[/url])
12- Engel S, Pagiola S, Wunder S. (2008) Designing payments for environmental services in theory and practice: an overview of the issues. Ecological Economics 65: 663–74 (DOI: [url]https://doi.org/10.1016/j.ecolecon.2008.03.011[/url])
13- Wunder S (2005) Payments for environmental services: Some nuts and bolts. Center for International Forestry Research (CIFOR) Occasional paper No.42. Jakarta. Indonesia([url]http://www.cifor.org/publications/pdf_files/occpapers/op-42.pdf[/url])



BIODIVERSIDADE AQUÁTICA E QUALIDADE DE RIOS EM EUCALIPTAIS CERTIFICADOS – A EXPERIÊNCIA DA ALTRI
João Manuel Oliveira1, Pedro Segurado1, Pedro Serafim2
1Centro de Estudos Florestais, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa E-mail: joliveira@isa.ulisboa.pt; psegurado@isa.ulisboa.pt
2Altri Florestal S.A., Rua Natália Correia, 2ª, Constância Sul, 2250-070 Constância E-mail: PSerafim@altri.pt

No âmbito da certificação florestal e da gestão sustentável das suas florestas, a ALTRI Florestal tem vindo nos últimos anos a promover trabalhos técnico-científicos que contribuam para uma melhor compreensão da influência da gestão florestal na conservação da diversidade biológica. Destacam-se aqui os esforços da ALTRI Florestal para a identificação e avaliação dos recursos e serviços associados aos sistemas fluviais envolvidos por povoamentos certificados de eucalipto, incluindo os corredores ripícolas e as comunidades e espécies aquáticas.

Como é sabido, as “Boas Práticas de gestão e exploração Florestal” (BPF) procuram diminuir os impactes causados nos ecossistemas pelas actividades ligadas à exploração florestal, em contraste com explorações convencionais que não seguem estas práticas.
Na gestão das linhas de água as BPF incluem a protecção da zona ripícola, e da vegetação nativa que ocupa este espaço de interface terrestre-aquática.
As zonas ripícolas são muito importantes para a estrutura e funcionamento dos ecossistemas aquáticos, representando diversas funcionalidades como a de “tampão térmico”, fonte de invertebrados para alimento de peixes, aumento da estabilidade das margens, ou disponibilidade de abrigos lenhosos para diversas espécies, em suma, promovendo a biodiversidade.
Vários estudos têm revelado a importância das BPF na manutenção da qualidade da água e das características físicas dos sistemas fluviais, por exemplo ao nível da diversidade de habitats, cargas de sedimentos, ou regimes de caudais. No entanto, é curioso verificar que poucos trabalhos têm procurado avaliar a sua eficácia ao nível do biota aquático, verificando-se uma particular escassez de informação científica sobre as relações entre o tipo de gestão florestal e as comunidades piscícolas em plantações de eucalipto da Península Ibérica.

Neste contexto, um dos primeiros estudos financiados e apoiados pela ALTRI Florestal foi o projecto FISHTREE em 2013, resultante de um protocolo coma Associação para o Desenvolvimento do Instituto Superior de Agronomia (ADISA) e sob responsabilidade de investigadores do Centro de Estudos Florestais (CEF) (Oliveira et. al 2016). Este trabalho teve como objetivos a caracterização das espécies e comunidades piscícolas que habitam em segmentos fluviais com presença relevante de povoamentos certificados de eucalipto sob gestão da ALTRI Florestal, a avaliação da qualidade biológica desses segmentos, bem como a caracterização da sua estrutura morfológica, incluindo os habitats aquáticos e o corredor ripícola.
Conduzido em cerca de três dezenas de rios do norte e centro de Portugal, este trabalho procurou também estudar os efeitos da condição ripícola nos sistemas fluviais mediterrânicos, incluindo a eficácia das BPF. É sobretudo esta componente do projeto que seguidamente é apresentada.

Dessa forma, em 2013 foram amostradas com pesca eléctrica as comunidades piscícolas em 15 locais da bacia do Tejo, bem como avaliada a sua estrutura morfológica (habitats aquáticos e área ripícola); estes locais representaram cursos de água ciprinícolas de pequena/média dimensão, com bacias dominadas por usos naturais/semi-naturais, tendo sido agrupados em três conjuntos distintos (cinco locais por grupo):
(1) troços de referência, com envolvente dominada por vegetação semi-natural e apresentando uma mata ripícola de elevada qualidade;
(2) troços com forte presença de eucaliptal certificado, apresentando zonas ripícolas bem conservadas (incluindo matas ribeirinhas de qualidade);
(3) troços com larga presença de eucaliptais, embora apresentando áreas ripícolas degradadas (e.g., usos agrícolas e pastoreio) e matas ribeirinhas geralmente pouco conservadas.
Nos grupos 1 e 2 as matas ripícolas eram tipicamente dominadas por amieiros (Alnus glutinosa), freixo-comum (Fraxinus angustifolia) e salgueiros (Salix spp.), em oposição às do grupo 3, geralmente dominadas por espécies não lenhosas invasoras como canas (Arundo donax) e Silvas (Rubus spp.)

Foram capturados um total de 2132 peixes representando 12 espécies/géneros piscícolas, incluindo 4 exóticas e 8 nativas (5 destas apresentando estatuto de ameaça segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal). A “qualidade piscícola e morfológica” em troços de referência (grupo1) e em troços associados a eucaliptais com áreas ripícolas protegidas (grupo2) foi semelhante, apresentando-se boa a excelente. Em geral, a composição e a estrutura funcional das comunidades piscícolas foram também idênticas entre estes dois grupos. Ainda assim, os troços do grupo 2 apresentaram menos abrigos para os peixes e uma mata ligeiramente mais fragmentada.
Desta forma, sugerem-se medidas de gestão adicionais nessas áreas certificadas, como a requalificação da vegetação nativa, a remoção de plantas exóticas, ou mesmo a melhoria dos habitats aquáticos. Pelo contrário, em troços associados a eucaliptais com zonas ripícolas degradadas (grupo 3), a qualidade morfológica foi inferior (deterioração das margens e leitos), as comunidades revelaram-se desequilibradas (medíocre/razoável “qualidade piscícola”), e as espécies exóticas foram significativamente mais abundantes.
Os resultados sugeriram que a condição ecológica destes locais degradados, incluindo a degradação da mata ribeirinha, a diminuição da qualidade do substracto, e a menor quantidade de habitats aquáticos, parece favorecer espécies mais tolerantes e a invasão de indivíduos exóticos.

A importância ecológica da zona ripícola nos sistemas aquáticos é muito superior ao que se poderia supor, se apenas fosse considerada a sua área (significativamente inferior) relativamente à área da bacia hidrográfica. Os resultados mostraram claramente que a proteção/requalificação das zonas ripícolas é um factor chave para a integridade dos cursos de água associados a povoamentos de produção de eucalipto, com resultados muito positivos ao nível da sua qualidade física e da conservação da sua biodiversidade.

Recentemente, e no âmbito das acções de conservação da biodiversidade nas áreas sob sua gestão, a ALTRI Florestal tem vindo a implementar estações de biodiversidade (EBIO), em colaboração com a Tagis - Centro de Conservação das Borboletas de Portugal.
As EBIO são percursos pedestres curtos (máximo de 3km), sinalizados no terreno através de painéis informativos sobre as riquezas biológicas a observar pelos visitantes. Estas estações são caracterizadas por uma elevada riqueza específica e paisagística, e representativas dos habitats característicos de uma determinada região ([url]http://www.tagis.pt/rede-ebio.html[/url]).
Nas duas estações já implementadas pela ALTRI Florestal, os investigadores do CEF foram também responsáveis pela monitorização dos sistemas fluviais associados a estas EBIO – Quinta do Furadouro e Ribeira da Foz. O objectivo foi o de avaliar a biodiversidade aquática e a qualidade ecológica destes cursos de água, usando diversas comunidades – peixes, anfíbios e macroinvertebrados – bem como um índice de condição morfológica fluvial (qualidade do leito e margens) (Oliveira et. al aceite para publicação).

Desta forma, esse estudo foi conduzido em dois ribeiros localizados na zona centro de Portugal, a ribeira da Foz (média dimensão e regime hidrológico permanente) e a ribeira dos Rouxinóis (EBIO Quinta do Furadouro; pequena dimensão e regime intermitente), com envolventes dominadas por plantações certificadas de eucalipto, e por isso com zonas ripícolas bem conservadas.
Nos dois locais sob estudo amostraram-se as comunidades aquáticas em três troços fluviais distintos, e em duas épocas do ano (Inverno 2016 e Primavera 2017). A amostragem dos peixes foi realizada com pesca eléctrica, e no caso dos macroinvertebrados bentónicos foram efectuados arrastos com rede de mão; para os anfíbios recorreu-se a várias técnicas como a prospecção activa em potenciais refúgios e margens, arrastos com camaroeiro, armadilhas em rede iscadas, e pontos de escuta.

A ribeira da Foz revelou associações piscícolas com elevada riqueza específica (sete espécies nativas), incluindo quatro espécies ameaçadas (escalo do sul Squalius pyrenaicus, enguia Anguilla anguilla, boga-portuguesa Iberochondrostoma lusitanicum e lampreia-marinha Petromyzon marinus), embora tenha sido uma exótica (góbio Gobio lozanoi) a espécie mais abundante nos três troços fluviais e em qualquer época do ano. Foram amostradas três espécies de anfíbios (sapo-comum Bufo spinosus, salamandra-de-pintas-amarelas Salamandra salamandra e rã-verde Pelophylax perezi), embora com populações pouco abundantes, muito provavelmente devido à grande diversidade e densidade piscícola e à presença significativa da espécie exótica lagostim-vermelho-do-Louisiana (Procambarus clarkii).
Registou-se ainda uma elevada diversidade da comunidade de macroinvertebrados, reflexo de boa qualidade da água. A ribeira da Foz apresentou boa condição morfológica e considerável heterogeneidade dos habitats aquáticos, bem como uma galeria ribeirinha de elevada integridade.

Na ribeira dos Rouxinóis a comunidade piscícola foi próxima da potencial para este tipo de rios, com a presença de duas espécies, a enguia e o ruivaco Achondrostoma oligolepis, esta última a espécie dominante. A anfíbio fauna apresentou-se diversa e com algumas populações muito abundantes, tendo sido amostradas cinco espécies: sapo-comum, salamandra-de-pintas-amarelas, rã-verde, rã-de-focinho-pontiagudo Discoglossus galganoi e o tritão-de-ventre-laranja Lissotriton boscai. No entanto, a comunidade de macroinvertebrados revelou-se muito pouco diversa, provavelmente devido à menor riqueza de habitats ou às elevadas condutividades aí verificadas.
A ribeira dos Rouxinóis apresentou uma condição morfológica apenas razoável, incluindo alguma degradação do substrato do leito, muito provavelmente como resultado da erosão moderada das margens em zonas desprovidas de vegetação.

Este trabalho demonstrou que os rios associados a eucaliptais certificados podem apresentar uma biodiversidade aquática significativa e comunidades aquáticas com relevante integridade ecológica. É ainda discutido a dificuldade em controlar a multiplicidade de pressões que podem afectar os sistemas aquáticos, nomeadamente as “exógenas” à gestão florestal, como a colonização por espécies exóticas, que podem ter um impacto significativo sobre as populações nativas. Conclui-se que uma gestão florestal sustentável poderá contribuir para a conservação dos sistemas fluviais, bem como da sua biodiversidade, embora os seus efeitos positivos representem apenas algumas das múltiplas variáveis que condicionam o funcionamento e a estrutura destes sistemas naturais.

Referências
Oliveira, J. M., Fernandes,F., Ferreira, M. T. 2016. Effects of forest management on physical habitats and fish assemblages in Iberian eucalypt streams. Forest Ecology and Management, 363, 1-10.
Oliveira, J. M., Paulino, J.C., Segurado, P., Rosado, J., Rivaes, R., Fernandes, F., Serafim, P., Ferreira,M. T. aceite para publicação. Biodiversidade aquática e qualidade de rios em eucaliptais certificados no centro de Portugal. Scientia Forestalis.

Figura 3 - Povoamento certificado de eucalipto junto à ribeira de Eiras (ribeira deEiras − Gavião)
Figura 4. Monitorização da fauna piscícola no rio Balsemão (Souto D’El Rei − Lamego)
Figura 5. Troço fluvial da EBIO Ribeira da Foz
Figura 6. Exemplar de lampreia-marinha capturado na ribeira da Foz
Figura 7. Exemplar de rã-de-focinho-pontiagudo observado na ribeira dos Rouxinóis
Figura 8. Exemplar de ruivaco capturado na ribeira dos Rouxinóis
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