
Viagem até ao Pereiro

A quase 80 quilómetros do Porto, já em pleno concelho de Arouca, entramos numa viagem no tempo de mais de 500 milhões de anos. Por entre rochas metassedimentares, granitos e processos geológicos que modelam a morfologia do Rio Paiva, encontramos os icónicos Passadiços do Paiva. Percorrê-los é usufruir de um espaço único, onde coexistem montanhas rochosas, cursos de água e floresta.
O Pereiro, uma área de particularidades muito próprias, com cerca de 24 hectares, é parte dos 9 quilómetros destes passadiços. Apesar de representar apenas uma fração deste cenário deslumbrante, o Pereiro desempenha um papel de destaque, pelo enquadramento na Região.
“Esta área (…) é dominada por eucaliptal, plantado há cerca de 50 anos e com fortes restrições à gestão florestal” refere Susana Brígido, da 2BForest.
Inserida em Rede Natura 2000 e parte integrante do Corredor Ecológico do Plano Regional de Ordenamento Florestal de Entre Douro e Vouga, esta propriedade está na família de David Crespo há várias décadas. Os incêndios e as várias limitações à gestão e ocupação, retraíram as receitas da produção florestal e consequentemente a sua manutenção. Embora cientes das dificuldades, os proprietários procuraram alternativas à floresta de produção, abdicando de um caminho que já era pouco viável e procurando soluções que trouxessem “vida” àquela floresta.
A luz ao fundo do Passadiço
Desde 2015, com a inauguração dos Passadiços do Paiva, que os turistas começaram a chegar para ver o serpentear do rio e das montanhas, e usufruir do verde e do ar puro. Entre 2018 e 2020 foram 600 mil os visitantes que por ali passaram. O impacto na região foi enorme, mas a capacidade de investimento na área florestal envolvente não acompanhou esta tendência.
Procurou-se alternativas! Era preciso um rendimento que permitisse uma gestão permanente. Estava visto que o enquadramento produtivo “tradicional” não servia o propósito. Eis que surge “uma luz ao fundo do passadiço”: a certificação! Em 2018, avançou-se para a certificação da gestão florestal FSC, e com ela a possibilidade de certificação dos Serviços de Ecossistemas, que se veio a concretizar três anos mais tarde.

Sob a alçada do Grupo de Gestão Florestal da 2BForest, foram propostas ações que enaltecessem o potencial da área e definiram-se dois principais objetivos: o restauro ecológico da área e o desenvolvimento de um projeto que viabilize uma gestão florestal responsável, com redução do risco de incêndio.
Susana Brígido elenca: “Posteriormente, implementou-se o Procedimento dos Serviços de Ecossistemas do FSC para o carbono, biodiversidade e recreio e lazer.”
Restauro do coberto florestal natural, manutenção de uma rede de áreas de conservação, restabelecimento das reservas de carbono florestal, e manutenção e preservação de áreas de importância para os serviços recreativos e o turismo foram os impactos verificados como uma tentativa de atrair financiamento. Esta visão foi bem acolhida por várias organizações, que decidiram apoiar a iniciativa. Neste momento, são 30 os sponsors deste projeto audaz.
“Com estes apoios foi possível o restauro das áreas de conservação e minimização dos impactos dos incêndios que acabaram por destruir outras zonas dos Passadiços” refere Susana Brígido.
E foi assim que tudo começou. Mais de metade da área já foi intervencionada, ou seja, cerca de 17 hectares, e os restantes virão a caminho. O controlo da vegetação arbustiva espontânea, o desbaste de áreas de eucaliptal para promover a regeneração natural de outras espécies, a seleção de varas de eucalipto, a limpeza de matos, a plantação de espécies autóctones (tal como o amieiro, o castanheiro, o carvalho, o freixo e o sobreiro) e o controlo de invasoras lenhosas como as acácias-de-espigas e acácias-mimosas, foram as atividades executadas.
O impacto foi visível. A primeira mudança foi no coberto vegetal, deixando para trás um eucaliptal desordenado e algumas espécies invasoras lenhosas, para dar lugar a um povoamento misto, com especial sucesso no estabelecimento das árvores autóctones. A segunda verificou-se mais recentemente, em setembro de 2024, aquando dos últimos grandes incêndios na região, que confirmou o papel fundamental da gestão florestal ativa e profissional, na redução da intensidade do incêndio e da sua consequente mitigação, traduzindo-se em menor área ardida e na salvaguarda dos valores ecológicos.
A certificação na (re)construção do futuro
Agora está na hora de repor o que foi consumido pelas chamas. O foco é devolver, novamente, à comunidade local e aos visitantes, um percurso seguro, em perfeita harmonia com a natureza. Reconstruir é a palavra de ordem e a Carmo Wood, uma empresa certificada pelo FSC, assumiu a responsabilidade da reconstrução dos 800 metros de passadiços que haviam sido consumidos pelo fogo. A missão é clara: preservar e valorizar o património natural do Arouca Geopark.
“Após os incêndios, os Passadiços perderam parte da sua funcionalidade. A Carmo Wood como empresa de construção da primeira fase do projeto, devolveu o espaço à comunidade local” afirma Jorge Matias, da Carmo Wood.
O projeto distingue-se pela escolha de soluções construtivas que combinam tecnologia, resistência e sustentabilidade. Com recurso a madeira tratada de alta durabilidade e com certificação FSC, é garantida uma solução duradoura e ambientalmente responsável, para resistir às condições mais exigentes. A preocupação é, sobretudo, garantir a origem da matéria-prima e demonstrar o compromisso com a gestão florestal responsável, com a construção de estruturas que respeitem o ambiente, os direitos sociais, enquanto oferecem um design funcional e estetivvamente integrado na paisagem.
Tem-se, então, um triplo ganho: a escolha de materiais renováveis e certificados contribui para a preservação das florestas e redução da pegada de carbono; beneficia a sociedade, pois significa o regresso de um espaço de lazer e bem-estar, promovendo estilos de vida saudáveis e o turismo de natureza; e economicamente representa um motor de dinamização local, com impacto positivo no comércio, restauração e alojamento da região.
A certificação trouxe uma valorização clara ao projeto, tanto ao nível da perceção pública como no reconhecimento institucional. Esta é uma oportunidade da Carmo Wood demonstrar na prática os princípios que defende, sensibilizando os colaboradores e demais Partes Interessadas, ao mesmo tempo que transmite uma mensagem clara de responsabilidade ambiental, social e de compromisso com as gerações futuras.
Conservar, rentabilizar e proteger

Aqui tudo é único: o local, a forma como se preserva e o modo como se (re)constrói. Desde a localização emblemática dos passadiços do Rio Paiva, passando pelas boas práticas de gestão florestal, até à aposta em materiais provenientes de uma origem responsável, tudo é uma montra de consciencialização para a necessidade de preservação da natureza.
Mostrar às pessoas a importância do impacto da gestão florestal ativa e dos seus serviços na região, o valor acrescentado que ela tem para tornar a floresta portuguesa mais resiliente, promove uma visão diferenciadora que esta pode ter em Portugal e o seu valor para a sociedade.
Este projeto pioneiro de implementação dos Serviços de Ecossistemas do FSC no nosso país, veio demonstrar que podem existir diferentes abordagens à floresta e que um proprietário florestal pode tirar rendimento e gerir a sua área apostando no seu valor de conservação, mesmo quando não existe viabilidade económica para uma exploração mais tradicional.
A promoção da floresta nativa e dos serviços prestados pela mesma, como a biodiversidade ou a sua beleza paisagística, devem ser reconhecidos pela sociedade, podendo tornar-se num mecanismo central para a defesa das nossas florestas, bem como potenciar uma jornada em direção a um futuro mais sustentável.
Com o apoio da 2BForest e da Carmo Wood.