O coração verde da cortiça

O projeto 'Coração Verde da Cortiça' promove a gestão responsável do montado de sobro, conciliando a conservação da biodiversidade, o armazenamento de carbono, a proteção da bacia hidrográfica e o controlo da erosão, ao mesmo tempo que incentiva à valorização económica dos serviços de ecossistemas, garantindo um futuro sustentável para as comunidades locais.

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Montado de sobro: um tesouro natural

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© FSC Portugal

O valor ambiental do montado de sobro é inigualável. Várias espécies ameaçadas e endémicas encontram aqui o seu lar. O armazenamento de carbono, a proteção da bacia hidrográfica e o controlo da erosão são também parte dos serviços prestados por este ecossistema.

Neste local fica o maior aquífero da Península Ibérica: entre as bacias do Tejo e do Sado. 40% é coberto por montado de sobro. A forma como é praticada a gestão agroflorestal desta área, determina a quantidade e qualidade da água que alimenta cerca de 1 milhão de habitantes e irriga milhares de hectares desta região.

No vale do Sorraia a agricultura é a atividade principal, pela fertilidade dos solos e muito se deve ao regadio. Mas existem solos menos ricos, que dão origem a um mosaico composto por montado de sobro e de azinho, e outras espécies florestais como o pinheiro manso, que quebram a paisagem agrícola. Estamos em Coruche, a capital da cortiça.

A remuneração leva à conservação

Pretendia-se incentivar a gestão responsável deste aglomerado florestal. E assim nasceu o projeto Green Heart of Cork (GHoC), em português “o coração verde da cortiça”. Deu-o à luz a Associação Natureza Portugal e a WWF (ANP|WWF), em 2011.

“O Green Heart of Cork promovido pela WWF e pela ANP em parceria com a APFC, foi pioneiro em 2011, e tem como grande objetivo preservar a maior mancha de montado de sobro do mundo, numa área que também constitui o maior aquífero da Península Ibérica” refere Marta Souto Barreiros, da Associação dos Produtores Florestais de Coruche (APFC).

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© FSC Portugal

Promover e conservar foram as palavras de ordem. Estavam em causa a biodiversidade e os altos valores naturais. Era fulcral protegê-los. Incentivar financeiramente parecia ser a solução. Com a criação do GHoC pôs-se em ação a ideia. Fez-se a proposta aos proprietários florestais membros da APFC. Entusiasmados e com a ambição de terem uma gestão florestal ativa, 70 membros avançaram para a certificação florestal FSC de 44 mil hectares, através do Grupo APFCertifica. Constituído em 2007, este grupo foi evoluindo sempre de forma consistente, quer em número de membros, quer em área certificada, com uma floresta multifuncional, composta por diferentes espécies. A certificação de serviços de ecossistemas de armazenamento e sequestro de carbono, foi o processo que se seguiu, abrangendo uma área de 1.300 hectares.

Os requisitos fundamentais eram: ser titular de certificado de gestão florestal FSC e identificar, na propriedade, altos valores de conservação. O patrocinador já estava à espera. No âmbito da sua estratégia de sustentabilidade, o Grupo Jerónimo Martins encontrou no montado um projeto emblemático no qual é bem evidente a dependência que as suas atividades têm em relação aos serviços gerados por este ecossistema, reconhecendo ao mesmo tempo a importância da certificação FSC para uma gestão florestal responsável.

Um procedimento que cria valor

O elevado valor económico é, igualmente, característico desta região. Ele resulta tanto da produção florestal, dos produtos lenhosos (madeira) e dos não lenhosos (cortiça), como da produção agrícola.

E por que não remunerar também pelos serviços que esta floresta presta? O pagamento não é feito de qualquer forma. Só usufruem deste incentivo os proprietários que praticam uma gestão florestal sustentável certificada pelo FSC, coadunável com a manutenção da biodiversidade e a prestação de serviços de ecossistema, nomeadamente a conservação das reservas de carbono.

Frederico Leite, da ANP|WWF, afirma: “O Green Heart of Cork pretende promover o pagamento de serviços de ecossistema em áreas certificadas pelo FSC e nas quais existam florestas de Alto Valor de Conservação.”

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© FSC Portugal

O procedimento já está definido e implementado. Verificar caso a caso, analisar o que já está feito e definir o plano futuro. Eis que surge a teoria da mudança: aproveitamento da regeneração natural e adensamentos de sobreiro; aumento da densidade das árvores nas florestas de montado; controlo de combustíveis com corta-matos para redução do risco de incêndio; e podas fitossanitárias para manter o vigor vegetativo das árvores e impedir a proliferação de pragas e doenças.

Marta Souto Barreiros acrescenta: “Ao longo dos anos a certificação veio permitir potenciar as melhores práticas de gestão florestal disponíveis. Foram diversas as práticas aplicadas nestas florestas multifuncionais: preservação das linhas de água, conservação do uso do solo, a potenciação da regeneração natural, a monitorização das pragas e doenças e as áreas de Alto Valor de Conservação.”

Os resultados mostram que os objetivos foram alcançados. O valor do carbono armazenado aumentou tendo em conta o intervalo de comparação (2012-2021). O desenvolvimento, a avaliação e a demonstração do impacto positivo da promoção e conservação da Biodiversidade ainda está em curso.

A ANP|WWF considera que o sistema de certificação do FSC constitui um mecanismo de verificação adequado das boas práticas de gestão agroflorestal no montado de sobro. Há a confiança de dados credíveis e de elevado valor.

Investimento: sinónimo de sustentabilidade

Sem apoio, não há retorno financeiro, e sem isso não é possível manter o investimento na floresta e na sua sustentabilidade financeira, social e ambiental. Este equilíbrio é essencial e permite que as gerações vindouras possam usufruir dos benefícios gerados no presente.

O apoio criou impacto nas áreas florestais e este foi verificado. Há a valorização da atividade agrícola e florestal, o impacto nos rendimentos da exploração é positivo e com ele vem o incentivo para continuar a boa gestão da propriedade, que se pretende multifuncional.

O GHoC é o primeiro caso bem-sucedido de valorização dos Serviços de Ecossistemas em Portugal. Foi um exemplo que inspirou outros casos… porque, às vezes, não basta que a floresta seja verde, é preciso olhá-la com o coração.

Com o apoio da ANP|WWF - Associação Natureza Portugal e da Associação dos Produtores Florestais de Coruche (APFC).