Dois ninhos de abutre-preto da pequena colónia de reprodução do Douro Internacional arderam completamente, e outros seis foram afetados em diferentes graus. Os seis abutres-pretos que estavam na estação de aclimatação foram resgatados graças à mobilização rápida de pessoas e instituições, o que evitou uma tragédia maior.
Instituições parceiras do projeto e associadas do FSC Portugal, como LPN, SPEA e Palombar, lançam pedido de ajuda para reparar danos.
Fogo sem tréguas
No passado dia 15 de agosto, enquanto o Centro-Norte de Portugal ardia em múltiplos focos, um novo incêndio deflagrou por volta das 13h em Poiares, no concelho de Freixo de Espada à Cinta, em pleno Parque Natural do Douro Internacional (PNDI). As temperaturas próximas dos 40 °C, que se mantinham há vários dias, favoreceram a rápida progressão das chamas, que em poucas horas evoluíram para um grande incêndio e se estenderam aos concelhos vizinhos de Mogadouro e Torre de Moncorvo. No total, arderam mais de 15 mil hectares.
Com a proximidade do incêndio à colónia reprodutora de abutres-pretos (Aegypius monachus) do Douro Internacional, os alertas e a mobilização das equipas no terreno foram imediatos e evitaram uma tragédia ainda maior.
Salvar abutres-pretos
No dia 15 de agosto, ao final do dia, o fogo estava ainda longe da estação de aclimatação do projeto LIFE Aegypius Return, construída sobre as arribas do Douro, em Fornos. No entanto, os acessos às zonas remotas poderiam vir a ser cortados, o que impediria ações posteriores, em caso de necessidade. Assim, numa intervenção atempada, que seguiu o plano de contingência previsto no projeto, a equipa da Palombar, articulada com os técnicos e vigilantes da natureza do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF/PNDI) e com a Vulture Conservation Foundation (VCF), a Faia Brava e o criador de gado e pastor que zela pela propriedade, assim como com os veterinários do Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (HV-UTAD), recolheram os seis abutres-pretos que se encontravam na jaula de aclimatação e transferiram-nos para as instalações do CIARA (Centro de Interpretação Ambiental e Recuperação Animal), em Felgar, onde permanecem em segurança.
O resgate deveu-se à ponderada e oportuna avaliação feita pelas equipas no terreno, e preveniu um enorme retrocesso na conservação do abutre-preto, pois na tarde do dia seguinte o fogo atingiu efetivamente as instalações da estação de aclimatação, que incluem a jaula, o campo de alimentação e as estruturas de apoio.
Aferição de danos
A manhã do dia 18 de agosto revelaria os prejuízos causados na estação de aclimatação. Apesar de em toda a volta, e por uma vasta extensão, a vegetação estar cortada, precisamente como medida preventiva implementada pela Palombar no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return – ao abrigo do Plano de Gestão de Habitats e de Redução do Risco de Incêndio em Territórios de abutre-preto na Zona de Proteção Especial Douro Internacional e Vale do Águeda –, e ser muito rasteira, o fogo devastou todo o habitat. A jaula das aves teve alguns danos ligeiros, mas o contentor de apoio foi totalmente destruído. Este espaço funcionava como enfermaria e como centro digital de videovigilância das instalações. O campo de alimentação em frente à jaula de aclimatação foi também inteiramente queimado, o que impossibilita a sua função, no imediato.
Ninhos ardidos e pelo menos uma cria morta
A colónia de abutres-pretos do Douro Internacional contou este ano com oito casais reprodutores, cinco em Portugal e três do lado espanhol. Um total de cinco crias desenvolveram-se e estavam a ser monitorizadas pela Palombar, com apoio do ICNF. Quatro crias tinham já saído do ninho, mas uma era ainda jovem e não voava. No entanto, atendendo à idade desta cria, esperava-se que abandonasse o ninho nos dias seguintes.
Quando o fogo e o fumo permitiram o acesso aos locais, foi possível verificar que o ninho da cria não voadora foi impactado por chamas muito próximas, e que a cria já não se encontrava nele.
Durante a verificação do impacto do incêndio na colónia de abutre-preto, confirmou-se que dois dos cinco ninhos que tiveram cria este ano arderam na totalidade, e outros dois parcialmente. Adicionalmente, quatro plataformas-ninho previamente colocadas para promover a nidificação foram afetadas em diferentes graus. Uma cria, marcada em junho, foi encontrada morta. Sendo a colónia de tão pequena dimensão, este é um enorme retrocesso na sua conservação, e pode suceder que os adultos abandonem este território, revertendo vários anos de esforços para restaurar a colónia.
Terra queimada a perder de vista cobre agora as arribas do Douro e toda a zona rural e natural envolvente, na área do PNDI de Freixo de Espada à Cinta. A gravidade parece superar a do incêndio de 2017 – ano em que uma cria de abutre-preto morreu carbonizada –, com a destruição de centenas de hectares de habitat de reprodução e alimentação não só para o abutre-preto, mas também para outras espécies ameaçadas, como o britango (Neophron percnopterus) ou a águia-perdigueira (Aquila fasciata). A recuperação deste ecossistema já está em curso, mas levará décadas.
A colónia de abutre-preto do Douro Internacional – que já era a mais frágil, a mais pequena e a mais isolada do país –, sofreu agora um severo revés, cujas consequências serão acompanhadas de perto pela Palombar, pela Faia Brava, pela VCF e pelas autoridades competentes.
Cria Acer encontrada morta
Pelas 11h30 do dia 21 de agosto de 2025 confirmou-se a primeira cria morta (nome: Acer).
Desde o incêndio, o seu emissor não estava a conectar-se à rede e não se sabia a sua localização. Posteriormente foram recolhidos dados, mostrando inatividade.
As equipas da Palombar acorreram à localização e confirmaram a morte da cria.
Não morreu no incêndio propriamente dito, mas provavelmente por intoxicação pelo fumo e cinzas, numa morte lenta e agónica. O cadáver foi recolhido para ser necropsiado no Hospital veterinário da UTAD.
Um pedido de ajuda para os próximos passos
A colónia do Douro Internacional, pela sua fragilidade e isolamento, tem um valor estratégico na conservação do abutre-preto em Portugal. Por esse motivo, o projeto LIFE Aegypius Return assegurou financiamento para o seu reforço através de um programa de soft release, que promove a fixação de casais e acelera a expansão da colónia, reforçando a conetividade e a sustentabilidade das populações.
Os incêndios desses dias revertem os resultados destas ações, ao terem destruído extensas áreas de habitat de alimentação e reprodução, incluindo ninhos naturais, plataformas-ninho artificiais contruídas ao abrigo deste projeto LIFE, o campo de alimentação co-gerido pela Palombar e Faia Brava, e o contentor de apoio à aclimatação, que assegurava a logística e a videovigilância. Neste momento, as aves não podem regressar a estas infraestruturas, o que poderá condicionar os objetivos do programa de aclimatação do ano.
É fundamental restaurar o habitat em torno da jaula, principalmente no campo de alimentação, bem como repor o contentor de apoio. O contentor, que assegura a vigilância das aves em aclimatação e da envolvente – permitindo monitorizar comportamentos de alimentação, socialização e interação com aves selvagens –, funcionava com energia solar. Arderam os painéis fotovoltaicos, a cablagem, o inversor de energia e outro equipamento eletrónico essencial, num investimento que, em 2023, ascendeu a mais de 15.000 euros.
Adicionalmente, em articulação com a União das Freguesia de Lagoaça e Fornos, e com o ICNF, serão promovidas ações de restabelecimentos dos habitats prioritários para a alimentação e tranquilidade do abutre-preto no PNDI, implicando custos extraordinários para os quais não existem, neste momento, mecanismos de financiamento imediato.
Por este motivo, os parceiros LIFE Aegypius Return, dos quais três são associados do FSC Portugal (LPN, SPEA e Palombar) apelam à solidariedade de todos e lançaram um projeto de crowdfunding para ajudar a restabelecer o programa de conservação do abutre-preto no PNDI. Os donativos podem ser feitos AQUI.
Do inferno, a união
O mês de agosto de 2025 foi marcado por um autêntico inferno de chamas em Portugal, tendo obrigado o governo a acionar o Mecanismo Europeu de Proteção Civil e a solicitar ajuda internacional no combate aos fogos. Este ano já arderam mais de 200 mil hectares em território nacional.
As equipas LIFE Aegypius Return têm estado em alerta permanente com a aproximação de fogos às várias colónias de abutre-preto. Além do Douro Internacional, também as colónias da Herdade da Contenda e da Serra da Malcata estiveram sob ameaça, com grandes incêndios nas proximidades. Do lado espanhol, a Serra de São Pedro, na província de Cáceres, registou sérios prejuízos, com pelo menos 60 ninhos de abutre-preto ardidos (alguns ainda com crias no ninho), entre outras baixas significativas.
Em todas as situações, destaca-se a solidariedade entre a várias instituições envolvidas, desde as autoridades, bombeiros e organizações não governamentais até aos cidadãos individuais que, mesmo no meio de vidas e bens em risco, demonstram união e coordenação na proteção da natureza e do abutre-preto.
No Douro Internacional esta determinação foi particularmente visível na vigilância, alertas e atuação conjunta no terreno. Os parceiros LIFE Aegypius Return, e a Palombar em particular, agradecem o apoio e ação dos vigilantes e técnicos do ICNF – Direção Regional do Norte e PNDI, do PNAD (JCyL), do HV-UTAD e CIARA, do pastor Nelson Cordeiro, bombeiros, Guarda Nacional Republicana, União das Freguesias de Lagoaça e Fornos, assim como as autarquias afetadas. Agora, com o apoio de todos, espera-se acelerar a necessária reversão dos danos e continuar a proteger o abutre-preto.

O projeto LIFE Aegypius Return é cofinanciado pelo programa LIFE da União Europeia. O seu sucesso depende do envolvimento de todos os intervenientes relevantes, e da colaboração dos parceiros: a Vulture Conservation Foundation (VCF), o beneficiário coordenador, e os parceiros locais Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural (com cofinanciamento da Viridia - Conservação em Ação), Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Protecção da Natureza, Associação Transumância e Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e https://anpc.pt/
